Jornal de Guimarães, Música

JdG / A Ouvir #30

Cristina Branco / Mãe

(Locomotiva Azul, LP, 2023)

O fim do ano é o momento tido como ideal para se fazerem balanços sobre o que de melhor e pior aconteceu nos últimos 12 meses. É por esta altura que surgem as listas dos melhores discos do ano. Listas para vários gostos, feitas por publicações das mais conceituadas até às do comum ouvinte, seja mais ou menos melómano. Eu também fiz a minha e partilhei-a no primeiro dia de 2024. Essa lista não pode ser definitiva, porque há ainda discos de 2023 que ouvirei em 2024. Por vezes, faço um exercício de ir às listas antigas e perceber que discos sobreviveram à prova do tempo. Uns vingam, outros não. Vou escolher um disco que gostei muito de ouvir em 2023 e que, acredito, continuarei a ouvi-lo com igual prazer no futuro. Cristina Branco é uma cantora que eu acompanho desde o início da sua carreira. Apesar de ser uma artista considerada, não me parece que seja uma muito popular em Portugal. Cristina Branco baseia-se sobretudo no fado, mas faz sempre questão de o misturar com outros géneros, como o jazz, a clássica contemporânea, a canção tradicional ou diversas influências da América do Sul. Talvez por isso a sua discografia seja irregular, mas os últimos cincos discos lançados pela cantora são absolutamente intocáveis, onde se inclui o disco lançado em 2023 chamado “Mãe”. Este é um disco de uma sensibilidade ímpar, onde as palavras são medidas a cada sílaba e os silêncios fazem parte do equilíbrio de que se faz este disco. “Mãe” é um disco a que tenho voltado recorrentemente desde que o descobri, que continuo a ouvir e continuarei certamente a fazê-lo.


Vince Clarke / Songs Of Silence

(Mute, LP, 2023)

Vince Clarke é uma figura discreta. Apesar disso, a sua carreira faz com que seja considerado como uma figura incontornável da música das últimas cinco décadas. Ele e Andrew Fletcher foram os elementos fundadores dos Depeche Mode, mas Clarke também foi o primeiro a sair da banda. Criou depois os Yazoo, os The Assembly e mais tarde os Erasure, projeto com o qual conseguiu hits com canções como “Sometimes” ou “A Little Respect”. Nos anos 1980, ficava maravilhado quando apareciam bandas na televisão em que o teclista tinha três ou quatro frentes de teclados com vários níveis cada uma. Ficava fascinado com os concertos do Jean-Michel Jarre quando davam na TV, embora aí me começasse a parecer que muito daquilo era encenado. Fui entrando por onde quase todos entram, através dos discos dos Tangerine Dream, Amon Düül, Kraftwerk e depois toda a cena new wave nos já referidos anos 80. Mais recentemente, há uns anos, descobri no Youtube um vídeo em que Vince Clarke faz uma visita ao seu estúdio, onde está exposta a sua coleção de sintetizadores. Foi a propósito desse vídeo que comecei a pesquisar mais sobre Vince Clarke. É impressionante a quantidade de música em que Clarke pôs as mãos. No entanto, a produção em nome próprio é bastante reduzida, o que me faz pensar que ele não gosta de fazer música sozinho. “Songs of Silence”, lançado em novembro de 2023, é um conjunto de peças instrumentais, que se materializa na exploração de drones ambientais, que convivem bem com o silêncio, o espaço largo e vazio ou a contemplação. Não será um disco para todos, está muito longe dos hits que Vince Clarke produziu no passado, não é um disco que passe na rádio. Mas há neste conjunto de temas um cuidado intrínseco na forma como é apresentado o que torna a sua audição numa experiência imersiva e reconfortante.

Estes textos foram originalmente publicados na edição de janeiro de 2024 da revista do Jornal de Guimarães.

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