Cinema e Televisão

Maestro, dir. Bradley Cooper

Ao ver “Maestro”, filme realizado por Bradley Cooper, biopic sobre o consagrado maestro e compositor Leonard Bernstein (1918-1990), figura incontornável da música do século XX, a minha curiosidade prendia-se mais com o lado da construção da sua personalidade, além do músico e maestro. Esse é um aspeto que o filme trata muito bem.

O filme mostra alguns aspetos da personalidade de Leonard Bernstein – um tipo impulsivo, brilhante, inseguro e extrovertido, que se apaixonava facilmente e não conseguia estar sozinho por muito tempo, nem na casa de banho. Ficamos a perceber algumas das lutas interiores por que passou esta figura e, especialmente, no que respeita às suas relações amorosas.

É curioso como o filme nos mostra isto tudo, colocando-nos quase na posição de voyeurs. A câmara surge muitas das vezes atrás de portas entreabertas ou colocada a um canto, como que nos estivesse a dar a possibilidade de espreitar a vida de Leonard Bernstein. Quando há diálogos, eles são acompanhados ao longe, sempre com planos muito abertos e estáticos, como se a câmara tivesse sido pousada deliberadamente para registar furtivamente aqueles momentos.

Não me parece que este filme viva muito do seu grau de sofisticação, embora explore bastante bem as potencialidades do cinema. Por vezes sabe-me bem ser envolvido por uma grande produção cinematográfica. Um exemplo disso talvez possa ser dado ao nível da cinematografia, em que se simula a tecnologia cinematográfica que seria vigente na época que está a ser retratada no filme. O filme começa com um grande formato cores e depois há um longo flashback, que dura praticamente todo o filme, começando por ser a preto e branco num formato 4:3. Fica a ideia que o filme terá sido gravado com várias máquinas e várias tecnologias, concordantes com o tempo a que respeitam as cenas.

Quem se lembra dos Young People’s Concerts, eles começaram a ser transmitidos na televisão a preto e branco e depois a imagem foi sendo melhorada com o tempo, à medida que a tecnologia foi evoluindo, até à entrada da TV a cores. Com o filme acontece a mesma coisa.

Uma nota final, mas porventura uma das mais importantes notas a fazer sobre este filme é o papel da mulher e a posição central de Felicia Montealegre, notavelmente interpretada por Carey Mulligan.

Logo no início do filme, numa altura em que ambos estavam ainda em início de carreira, há uma fala que subliminar, quando ambos falavam sobre as possibilidades das suas carreiras e Felicia Montealegre, uma atriz da Broadway, diz a Bernstein que ele tem mais hipóteses de de vingar e se tornar uma estrela, desde logo por ser homem.

Creio que há um aspeto que se resume muito bem no ditado que diz: por trás de um grande homem, existe sempre uma grande mullher. O filme sublinha este ponto do princípio ao fim, relevando o papel que Felicia Montealegre teve na vida de Bernstein, seja na forma como se apresentava em público, seja na gestão da sua carreira, seja nas causas ativistas em que ele participava, sendo Felicia, ela própria uma ativista no campo da defesa da educação.

Acho que esta relevância dada à mulher, ao papel da mulher, à sua importância no decorrer desta e doutras histórias, é muito bonita. Houve altura em que me pareceu que o filme é mais sobre Montealegre, do que sobre o pórprio Bernstein. E se calhar até é.

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Cinema e Televisão

Trenque Lauquen, dir. Laura Citarella

O filme “Trenque Lauquen”, realizado pela cineasta argentina Laura Citarella, é uma história fascinante, revelada com uma desarmante simplicidade de meios, onde se filma a ausência e a procura por alguém. O filme começa com uma dessas buscas. Dois homens viajam de carro à procura de alguém, que mais tarde ficamos a saber tratar-se de Laura, que desapareceu misteriosamente durante o decorrer de trabalho de campo, no interior da Argentina.

Este filme é como uma cebola, vai-se descascando por camadas e a seguir àquela primeira camada que nos é apresentada – a busca de Laura por dois colegas – num salto no tempo, ficamos a saber que Laura, paralelamente ao trabalho que desenvolvia como botânica, tinha uma rubrica numa radio local, sobre mulheres que ficaram na  história. Será numa das investigações para esta rubrica radiofónica, no meio dos livros da biblioteca local, que Laura se depara com a existência de uma misteriosa mulher, cujas pistas começa a seguir de forma obsessiva.

Durante essa investigação, Laura chega até à personagem de Carmen Zuna e torna-se única testemunha de um pequeno mistério, que começa com o interior de um exemplar do livro “Autobiografia de uma Mulher Sexualmente Emancipada”, da escritora russa Alexandra Kollontai.

Não se percebe se o desaparecimento de Laura está relacionado com a sua busca de Carmen Zuna. O filme tem duas partes e o que esta primeira parte nos mostra é este triângulo amoroso de uma mulher, Laura, e os dois homens que a procuram, um deles era o seu noivo o outro apaixonara-se por ela.

O filme está construído segundo uma multiplicidade de relatos e tem como inspiração “A Aventura”, de Michelangelo Antonioni. É como se víssemos as personagens numa sala de espelhos onde, em cada reflexo, elas assumem papéis diferentes, em tempos diferentes. É um filme com muitas relações com a literatura e é quase um filme que se vê como quem lê um romance.

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Cinema e Televisão

A Conspiração do Cairo, dir. Tarik Saleh

Em “A Conspiração do Cairo”, filme de 2022, realizado pelo cineasta sueco Tarik Saleh, coloca em destaque as ações conspiratórias, de promiscuidade entre poderes, num contexto que não é habitual ver no cinema, que o é das relações entre a religião islãmica e o poder político, neste caso do Egito.

Este jogo de influências entre poderes religiosos e políticos ou outros, nomeadamente dos grandes poderes económicos (que será porventura o mais poderoso e influente de todos), são conhecidos nas sociedades ocidentais e não ocidentais.

Provavelmente, em muitos países não ocidentais onde esta promiscuidade acontece, até com mais relevância, os casos nem sempre são os mais conhecidos, porque em muitos destes contextos, toda a concertação destes poderes controla também a comunicação social, o que abafa estes balanços de poderes e de corrupção.

Neste filme, a ação centra-se no Cairo. Adam, a figura central deste thriller, é o filho de uma família de pescadores numa pequena aldeia mediterrânica, a quem é atribuída uma bolsa para ir estudar para a importante Universidade de Al-Azhar, na capital do Egito.

No seu processo de integração, Adam vai sendo confrontado com várias abordagens, vindas de vários grupos internos e externos da universidade, que o tentam corromper e transformar num informador e manipulador.

Em causa está a sucessão do velho Grande Imã, que morre na mesma altura da chegada de Adam a Al-Azhar e os poderes religiosos e políticos posicionam-se rapidamente no sentido de condicionar a escolha do próximo imã.

De uma lado está o poder religioso, que procura garantir que este mantém os bloqueios relativamente a outros poderes externos à universidade e, do outro lado, o poder político, que procura colocar no seu interior, através das forças governamentais, um imã que seja permeável à influência e às vontades do poder político.

Esta parece uma história comum, com ingredientes muito parecidos aos que já vimos em numerosos filmes, alguns deles blockbusters, como é o caso de “Anjos e Demónios”, só para dar um exemplo.

Este filme, no entanto, mostra-nos, de forma muito elegante e evitando lugares comuns (desde logo porque o idioma é o árabe), estas relações conspirativas, sob uma perspetiva que não é muito comum. O filme coloca-nos no interior dos corredores dos poderes e dos atores influentes, num contexto político e religioso em relação ao qual permanecemos, na generalidade, bastante alheados, captando os costumes do islamismo e o funcionamento de uma sociedade no médio oriente que, através do olhar ocidental, descobre também desequlibrios profundos. Destaco desde logo, a presença e o papel da mulher no filme. A mulher surge como mero indicador, o filme desenvolve-se quase em exclusivo com a presença e o domínio masculino. A primeira mulher aparece no filme já passados cinco quartos de filme.

Creio que é um filme que representa bem o contexto particular que procura retratar, mas é também uma história que representa a inocência e a ingenuidade, aqui tidas não tanto como fragilidades, mas antes como formas de resistência e defesa do que podemos considerar de bons princípios intrínsecos ao indivíduo.

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Cinema e Televisão

Não Sou Nada – The Nothingness Club, filme de Edgar Pêra

“Não Sou Nada – The Nothingness Club”, filme do cineasta Edgar Pêra é baseado e construído na obra do escritor Fernando Pessoa e nas várias pessoas que nele habitavam. Não se pode esperar que um filme de Edgar Pêra seja fácil e este filme em particular não foge a essa regra, há sempre uma experimentação muito grande nos filmes de Pêra o que, por vezes, provoca desconforto e inquietação.

Há contudo uma narrativa que se consegue perceber e essa tal forma experimental de Edgar Pêra fazer cinema não impede que consigamos perceber o argumento, ou seja, há um enredo que nos é permitido seguir e perceber. É um filme que vale o tempo que lhe dispensamos, cerca de uma hora e meia. Foca-se no conflito tumultuoso das várias personalidades que habitavam a personalidade complexa do escritor. Há uma mensagem que trespassa o filme e que tem a ver com os transtornos associados à psicose de Fernando Pessoa e à sua saúde mental. Este é um tema que tem sido exposto últimos tempos, especialmente depois da pandemia.

Miguel Borges interpreta o papel de Fernando Pessoa, a pessoa que tem várias pessoas dentro. Miguel Borges nesta interpretação lembra-me um outro filme, em que ele participa e que aborda também as questões das patologias mentais, filme esse que se chama “Pára-me de repente o pensamento”, filme de 2014, realizado por Jorge Pelicano.

“Não sou nada” não é um filme biográfico. É um filme sobre a loucura de um escritor, às vezes poeta, feito por Edgar Pêra que é como que outro louco. Ver o filme no grande ecrã tem um efeito envolvente, que aumenta a inquietação e algum desconforto. O filme não impressiona, mas mexe-nos nas ideias e talvez daí venha algum do desconforto e da inquietação. Notável o trabalho de direção atores, uma multidão, atores e técnicos, que se juntou numa bolha para fazer o filme, durante os confinamentos da pandemia.

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Cinema e Televisão

The Architect

A série “The Architect” não é uma série grande. Talvez possamos arriscar dizer que é uma grande série. Tem apenas quatro episódios, com 20 minutos cada. As opiniões que tenho lido dividem-se. Não é, portanto, uma série que tem reunido consenso.

“The Architect” é um exercício visual experimental, que toca em vários pontos que são bastante atuais e que sugere a reflexão sobre questões que precisamos seriamente de discutir, nomeadamente a nossa relação com a inteligência artificial ou a qualidade do direito à habitação. A série faz ainda com que pensemos no futuro que queremos construir. Ou seja, no caso de a série ser um ensaio sobre um possível futuro que nos espera, deixa espaço suficiente para pensarmos sobre se é esse futuro que queremos para nós. Não só para nós, para aqueles que virão a seguir.

Este é um dos pontos fortes da série. Mas há um conjunto de opções estéticas, que funcionam como o dispositivo para que possamos refletir sobre todas aquelas questões, a partir da realização de ​​Kerren Lumer-Klabbers. Outros pontos fortes da série são o desenho dos cenários, os figurinos e o tratamento da cor. Ou seja, são aspetos mais técnicos e de direção de arte e menos a realização.

A série retrata a cidade de Oslo, colocada num futuro distópico – por um lado, se a distopia é algo que, por definição, não queremos ver acontecer, por outro, essa mesma distopia parece estar mais próxima da realidade do que talvez possamos imaginar, tendo em conta o sentido avassalador em que está a evoluir a nossa relação coma tecnologia, a nossa relação com o mundo e a nossa relação de uns com os outros.

Se formos ver os filmes ou séries de ficção científica realizados nas décadas de 70 ou 80, a verdade é elas acertaram em muitas coisas. Por exemplo, ao ver a série “Espaço 1999”, criada em 1975 e transmitida em Portugal a partir de 1983, no meio daquela bizarria era já antecipado muito do que conhecemos na viragem do milénio, com a revolução tecnológica e digital.

A série “The Architect”, está disponível na plataforma de streaming Filmin, para subscritores.

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Cinema e Televisão, Expressões, Imagens, Listas

Filmes marcantes

A propósito da passagem dos 60 anos do Cineclube de Guimarães, foi-me pedido que elencasse os cinco filmes que se tornaram para mim mais marcantes. Estes foram os que me vieram logo à ideia e, por isso, terão sido de facto marcantes.

Não tinha feito este exercício antes e esta escolha foi deliberadamente muito impulsiva. Ficaram filmes maravilhosos de fora, como é inevitável em qualquer lista que se faça. Mas é curioso tratarem-se todos de filmes pouco óbvios, que não se tornaram clássicos absolutos.

São, todos eles, evidentemente muito diferentes. Mas colocados assim, uns ao lado dos outros, parece-me que são trespassados por perspectivas muito próprias acerca da passagem do tempo e da noção de finitude.

: Viagem Até ao Princípio do Mundo – Manoel de Oliveira (1997)
: Mar Adentro – Alejandro Amenábar (2004)
: O Céu Gira – Mercedes Álvarez (2004)
: Elephant – Gus Van Sant (2003)
: Lucky – John Carroll Lynch (2017)

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Ócio, Cinema e Televisão, Expressões

Iñárritu ou (A Insofismável Verdade da Ironia)

birdman

O filme de Alejandro González Iñárritu, que venceu o Oscar para melhor filme de 2014, é uma grande ironia. A ironia de ser um filme que invoca a grande indústria cinematográfica, capaz de criar (ou recriar) grandes heróis no grande ecrã e que retrata a decadência de um universo de actores e actrizes que terminam a carreira, longe da atenção que outrora tiveram, na pele de personagens carismáticas.

Para começar, devo esclarecer que eu não sou crítico de cinema e, portanto, não me caberá a mim arrasar o filme. Este texto é apenas o resultado da reflexão que me foi estimulada por ter visto o filme: alguma coisa estará a mudar no coração dessa grande indústria e Birdman ou (A Inesperada Virtude da Inocência) é como um drone que se prepara para se auto-detonar no seu própio território.

O início da ironia, para mim, começa quando vejo aquele que antes foi conhecido como Clark Kent (interpretado por Christopher Reeve), que se transformava em Super-Homem, acaba a vida preso a uma cadeira de rodas. Depois, não deixa de ser também irónico que filmes como Transformers 3, Tartarugas Ninja: Heróis Mutantes, Hércules: A Lenda Começa tenham estado entre os nomeados para Razzie, na categoria de pior filme do ano.

Estarão os super-heróis destinados a acabar como Riggan Thomson, ironicamente protagonizado pelo mesmo actor que representou pela primeira vez o papel Batman, há 26 anos? O que foi feito de Michael Keaton, desde que interpretou aquele papel, desde 1992, altura em que saiu a sequela Batman Returns?

Não foi, portanto, um acaso a escolha de Keaton, que já vestiu a pele de um super-herói de banda desenhada, para desempenhar este papel. Mas poderíamos facilmente fazer um exercício e chegar a mais alguns nomes que tiveram a infelicidade de vestir um fato de herói (mesmo sem ser super) e que jamais tiveram a felicidade de se livrarem dele.

Além do malogrado Christopher Reeve, podíamo-nos lembrar, por exemplo, de Harrison Ford como Indiana Jones, Bill Murray ou Sean Connery (o primeiro a interpretar o agente secreto 007). Também não terá sido por acaso que no próprio filme são feitas referências a Robert Downey Jr. e ao terceiro Iron Man ou a George Clooney.

Portanto, a soma das partes resulta num filme arriscado, distinto e, por isso, talvez tenha sido justo considerá-lo o dos melhores do ano de 2014. A estética exemplar e talvez inovadora do filme, para isso também terá contribuído. A narrativa é montada como se tivesse sido filmada num único take, dando a ilusão de que tudo está a acontecer ao mesmo tempo, num exíguo teatro decadente da Broadway.

A discussão que o filme deixa e que acrescenta ao catecismo da tal grande indústria de Hollywood é perceber como deverão envelhecer os artistas nos dias de hoje. Ou se quisermos generalizar, como é que se deverá envelhecer nos dias de hoje, sem que se acabe alienado do meio que antes nos foi familiar. Há quem se esforce por se adaptar e quem acabe por desaparecer sem que se dê por isso. De resto, para que conste, Riggan Thomson já tem não uma mas várias contas, tanto no Facebook, como no Twitter.

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Ócio, Cinema e Televisão, Expressões

O Lado Escuro das Coisas

intersetellar
A exploração do tema da Teoria da Relatividade é recorrente no cinema. Basta ir atrás e recordar as aventuras do Dr. Emmett Brown na trilogia de “Regresso ao Futuro”. O tema é mais uma vez repescado em “Interstellar”, o filme de 2014, realizado por Christopher Nolan. De resto, a relação espaço-tempo-matéria é um tema a que o próprio Nolan regressa, depois de o ter feito em “Inception”, embora numa abordagem diferente.

Desta vez o género é o da ficção científica o que, por si só, poderá deixar alguns seguidores de Christopher Nolan de pé atrás. No entanto, ele explora da melhor forma a antevisão pré-apocalíptica do planeta, nas quase três horas de filme. Não é um filme fácil de perceber e não estou a ser presunçoso ao dizê-lo. Para o entender, foi importante o facto de me ter obrigado, quando miúdo, a ver a série “Cosmos”, apresentada por Carl Sagan. Essa série foi recentemente reconstituída pela National Geographic, sendo desta vez apresentada pelo astrofísico Neil deGrasse Tyson.

Uma dos aspectos que o filme levanta é a questão de percebermos até que ponto o que vemos é apenas uma visão da realidade, uma realidade que encerra em si muito mais do que aquilo que o homem consegue perceber e apreender. Desde logo, pela própria Teoria da Relatividade e pela incapacidade de o homem conseguir mover-se à velocidade da luz. Nada consegue viajar essa velocidade, que não a própria luz e as partículas que a compõem – os fotões. O sol que vemos num determinado instante é o sol que foi há seis minutos atrás, sendo esse o tempo que a luz do sol demora a chegar à Terra. Essa barreira determinada pela Natureza, o Homem nunca a conseguiu alcançar.

Tentei explicar isto ao meu pai, que me acompanhou a ver o filme, mas não me pareceu muito convencido. Dei-lhe um exemplo: quando naquela noite lhe liguei para combinar a hora para nos encontrarmos se, depois de ter desligado o telefone, eu pudesse viajar à velocidade da luz, quando o encontrasse ele provavelmente estaria ainda a atender a minha chamada. É esta abstração, esta suposição, que “Interstellar” explora de forma sublime. Mas não será a única.

Se, para além de poderemos viajar à velocidade da luz, pudéssemos também conservar o nosso corpo num sono criogénico? E como seria se conseguíssemos entrar num buraco negro – outro mistério que nos falta resolver na astrofísica: o que será aquele ponto no universo, que suga toda a matéria à sua volta e é capaz se engolir a própria luz? Por ventura, muitas destas questões terão a sua resposta, como outras que foram sendo respondidas pelos desenvolvimentos científicos, como as experiências com aceleração de partículas. Por outro lado, muitos destes alcances científicos, como a indivisibilidade do átomo, acabaram por ter reflexos destrutivos para o planeta e para a humanidade.

Claro que as soluções fictícias encontradas para resolver estes enigmas fazem parte da imaginação dos argumentistas que, no caso, inclui o próprio Christopher, com Jonathan Nolan. O exercício que fizeram é também registo de nota. Os espíritos que por vezes parecem perseguir-nos seremos nós próprios? Terá o criador feito de facto um deus à nossa semelhança, ao ponto de sermos nós próprios essa entidade a que chamamos deus? Poderá o amor ser considerado como uma variável científica, na altura de tomar uma decisão? Será o ser emocional e racional uma e a mesma coisa?

No fim do filme olhei para o céu e para as estrelas. Aqueles pontinhos que, por ventura, já nem sequer existem. Nós somos uma ínfima parte de algo extremamente grande, sendo também ínfima a parte daquilo que conseguimos explicar cientificamente. No fim temos o amor que colocamos nas coisas. Nas relações com as pessoas, na entrega que dedicamos a causas concretas, à ambição de ter sucesso e ser feliz. Ser sensível aos sinais que nos acontecem, sem que consigamos afinal perceber porquê. Por ter levantado toda esta reflexão achei o filme de extrema pertinência.

Afinal, nada se perde, tudo se transforma e aquilo que hoje somos fará parte de outro ser, de outra matéria, eventualmente de outro planeta. Não há mal nenhum em assumir que não sabemos o que fica para lá dos buracos negros do Universo – é isso que nos faz fazer perguntas e querer chegar mais além no Conhecimento. Enquanto houver questões sem resposta, ficamos com a ideia, válida como qualquer outra, de que existe uma entidade superior que nos transcende chame-se-lhe o que se queira chamar.

Este balanço entre as conquistas científicas e as dimensões místicas ou espirituais, além de serem capazes de questionar a nossa própria existência, são, na minha opinião o centro da discussão a que pode levar o filme. Coisa a que outros filmes do género, como “Gravity”, não me conseguiram estimular.

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