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Iñárritu ou (A Insofismável Verdade da Ironia)

birdman

O filme de Alejandro González Iñárritu, que venceu o Oscar para melhor filme de 2014, é uma grande ironia. A ironia de ser um filme que invoca a grande indústria cinematográfica, capaz de criar (ou recriar) grandes heróis no grande ecrã e que retrata a decadência de um universo de actores e actrizes que terminam a carreira, longe da atenção que outrora tiveram, na pele de personagens carismáticas.

Para começar, devo esclarecer que eu não sou crítico de cinema e, portanto, não me caberá a mim arrasar o filme. Este texto é apenas o resultado da reflexão que me foi estimulada por ter visto o filme: alguma coisa estará a mudar no coração dessa grande indústria e Birdman ou (A Inesperada Virtude da Inocência) é como um drone que se prepara para se auto-detonar no seu própio território.

O início da ironia, para mim, começa quando vejo aquele que antes foi conhecido como Clark Kent (interpretado por Christopher Reeve), que se transformava em Super-Homem, acaba a vida preso a uma cadeira de rodas. Depois, não deixa de ser também irónico que filmes como Transformers 3, Tartarugas Ninja: Heróis Mutantes, Hércules: A Lenda Começa tenham estado entre os nomeados para Razzie, na categoria de pior filme do ano.

Estarão os super-heróis destinados a acabar como Riggan Thomson, ironicamente protagonizado pelo mesmo actor que representou pela primeira vez o papel Batman, há 26 anos? O que foi feito de Michael Keaton, desde que interpretou aquele papel, desde 1992, altura em que saiu a sequela Batman Returns?

Não foi, portanto, um acaso a escolha de Keaton, que já vestiu a pele de um super-herói de banda desenhada, para desempenhar este papel. Mas poderíamos facilmente fazer um exercício e chegar a mais alguns nomes que tiveram a infelicidade de vestir um fato de herói (mesmo sem ser super) e que jamais tiveram a felicidade de se livrarem dele.

Além do malogrado Christopher Reeve, podíamo-nos lembrar, por exemplo, de Harrison Ford como Indiana Jones, Bill Murray ou Sean Connery (o primeiro a interpretar o agente secreto 007). Também não terá sido por acaso que no próprio filme são feitas referências a Robert Downey Jr. e ao terceiro Iron Man ou a George Clooney.

Portanto, a soma das partes resulta num filme arriscado, distinto e, por isso, talvez tenha sido justo considerá-lo o dos melhores do ano de 2014. A estética exemplar e talvez inovadora do filme, para isso também terá contribuído. A narrativa é montada como se tivesse sido filmada num único take, dando a ilusão de que tudo está a acontecer ao mesmo tempo, num exíguo teatro decadente da Broadway.

A discussão que o filme deixa e que acrescenta ao catecismo da tal grande indústria de Hollywood é perceber como deverão envelhecer os artistas nos dias de hoje. Ou se quisermos generalizar, como é que se deverá envelhecer nos dias de hoje, sem que se acabe alienado do meio que antes nos foi familiar. Há quem se esforce por se adaptar e quem acabe por desaparecer sem que se dê por isso. De resto, para que conste, Riggan Thomson já tem não uma mas várias contas, tanto no Facebook, como no Twitter.

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