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Dia #193, de 2012

Sexta-feira, 13 de Julho de 2012
Os meus planos para o segundo dia compreendiam uma volta rápida pela cidade de Bilbao e depois apanhar o que pudesse no BBK Live. Para isso procurei levantar-me cedo. O cenário envolvente à hospedaria onde fiquei ficou muito mais impressionante de manhã, com o céu limpo. À chegada, além de a luz ser crepuscular, havia nuvens que cobriam as montanhas e que limitavam o horizonte.

Ao chegar a Bilbao, a minha preocupação era saber onde ficava o recinto do festival, para depois gerir o tempo da melhor forma. Precisava também de saber o horário das bilheteiras para trocar o meu bilhete. Como não levei nenhum mapa da cidade, tive alguma dificuldade em orientar-me. Dei algumas voltas sem perceber de que lado era o norte até que resolvi estacionar o carro e procurar oriantações a pé. Apesar de a cidade estar engalanada com publicidade ao festival, não se consegui perceper de que forma se poderia chegar até ao recinto.

Pedi ajuda a umas raparigas que passavam. Era provável que pelo menos soubessem da existência do festival na cidade. Errado! As raparigas fizeram-me pensar que poderia estar numa outra cidade onde não se realizaria festival algum. Ou, talvez não tivesse explicado correctamente. A minha experiêcia do castelhano tinha começado no dia anterior, pelo que poderia ser pouco perceptível.

Enquanto me tentava explicar às raparigas, houve um casal de velhotes que passava e que se apercebeu de que procurava alguma coisa. Voltei a explicar o melhor que pude ao que ia e, surpresa, o velhote soube imediatamente do que estava a falar e disse-me que estava muito longe do recinto. Tentou dar-me indicações de como lá chegar, mas a tarefa de o perceber não resultou. Mais uma vez, o astuto velhote percebeu que não estava a perceber nada do que ele me tentava explicar, até que parou… “Onde tens o carro?” – perguntou-me. Eu apontei mais ou menos na direcção onde tinha estacionado o carro. “Anda! Eu lavo-te lá…” – disse-me ele.

Pelo caminho fomos conversando. Trocamos os nomes e ele disse-me chamar-se Braulio. Disse-lhe que vinha de Portugal e respondeu-me que conhecia Miranda do Douro e que era muito bonito. Por vezes tinha dificuldade em percebê-lo: primeiro pela diferença da lingua; depois porque o Braulio tinha uma barba branca que embrulhava parte do que dizia. Fez-me lembrar o Chanquete da série “Verão Azul”. Disse-lhe que vinha sozinho. Ele ficou surpreendido, mas depois concluiu que, assim, poderia fazer o que me apetecesse sem ter que dar satisfações a ninguém.

Depois de termos andado entre rotundas, viadutos e cruzamentos, lá demos com o recinto, mas ao chegar lá cima, a passagem estava barrada pela polícia, que nos explicou que poderíamos deixar o carro na cidade e depois apanhar um autocarro para o recinto a qualquer hora. Voltamos a descer e estacionei o carro num sítio indicado pelo Braulio – que era seguro e poderia deixar ali o carro todo o dia e toda a noite. Aconselhou-me a tomar nota da rua onde estávamos, para o caso de ter necessidade de ter que perdir indicações.

Uma vez que sabia onde era o recinto agradeci ao Braulio a disponibilidade que teve, pedi desculpa por tê-lo feito gastar o seu tempo e propus-lhe que fossemos beber um café ou uma água. Ele dispensou o convite e em vez disso pôs-se a caminho na direcção do recinto dizendo que me levava lá. Tentei contrariá-lo mas sem resultado.

Era uma subida longa e íngreme até ao alto, a oeste da cidade, onde estava instalado o recinto do festival. A mim custou-me um bocado e, pela respiração ofegante, suspeito que ao Braulio também. Paramos por um bocado no local suficientemente alto, de onde se via a cidade de Bilbao. Dali, o homem indicou-me onde ficava o hospital, onde era o Guggenheim e onde ficava o estádio de futebol. Chegamos finalmente.

O Braulio disse-me que estava entregue e estendeu-me a mão. Pedi-lhe que descansasse um pouco e que esperasse que eu fosse buscar uma água para beber. Ele recusou e apenas me disse: “Diverte-te Paulo!” e pôs-se ao caminho. Ao vê-lo afastar-se sem conseguir reagir, pensava que se houvesse algum tipo de encarnação de deus na terra, o Braulio seria com certeza uma dessas encarnações. Mais a frio, pensei que nunca mais na minha vida iria voltar a ver aquele homem que me ajudou incondicionalmente.

Tomei nota do horário das bilheteiras. Meti-me num dos autocarros que constantemente faziam a ligação entre a cidade e Altamira, onde ficava o recinto. Objectivo seguinte: almoçar. Li num dos guias que levei que no Casco Velho da cidade havia muitas tasquinhas típicas onde se podia comer bem e barato. Caminhei nessa direcção ao mesmo tempo que ia apreciando a cidade.

Bilbao é uma cidade onde se nota a herença pesada se de ter desenvolvido à base do sector industrial metalurgico depois de se ter assumido pela sua actividade portuária. Nos últimos anos a cidade tem atravessado por um processo de regeneração, tendo para isso muito importado a construção do Museu Guggenheim, mesmo no coração da cidade e na margem do rio Nervion. Não se pode dizer que Bilbao seja uma cidade monumental, mas esse processo de regeneração e requalificação têm dado à cidade um aspecto futurista transformando utilização que se faz dela.

Na cidade velha, vive-se um ambiente distinto: ruas estreitas, construções antigas, sombra, frescura (as temperaturas durante o dia nunca baixaram dos 30 graus). Vi um restaurante com bom aspecto e os preços na carta não me pareceram extravagantes. Sentei-me ao balcão, pedi uma cerveja e uma tortilha para começar e pedi ainda que me preparassem um hamburger. Comi e bebi satisfatoriamente e paguei quinze euros.

Regressei pela margem do rio aproveitando a copas das árvores. É impressionante a forma como a arquitectura e os diversos artefactos urbanos que se foram construindo à sua volta, são capazes de transformar a cidade. Numa só fotografia podemos ter Frank Ghery, Calatrava e murais pintados ao estilo de Banksy.

No recinto fui rodando pelos vários palcos. Vi as Warpaint, num palco minúsculo, The Kooks e os Mumford and Sons, no tom festivo e boémio que os caracteriza. A noite acabou com os Radiohead, uma das minhas bandas favoritas e o principal motivo para ter ido até Bilbao. Guardei lugar cedo e fiquei junto à grade do corredor central que divide a plateia e que liga o palco à régie.

Gostei do concerto, embora tenham ficado de fora do alinhamento ficaram algumas músicas que gostava de ter ouvido, principalmente do álbum The Bends. A cenografia do palco foi diferente da que vi em vídeos da mesma tour, em que vários ecrãs quadrados se movimentavam no palco, sobre as cabeças dos músicos. Soube depois que tinham tido acidente e agora os ecrãs estavam fixos ao fundo do palco.

Regressei logo no fim do concerto. Tinha ainda uma longa caminhada até sítio onde tinha deixado o carro e a viagem de regresso, no dia seguinte. Foi experiência incrível, fruto de uma decisão que tomei por impulso, mas cuja empresa envolveu algum planeamento. Confirmei nesta circunstancia que para experienciarmos coisas verdadeiramente extraordinárias, devemos sair da nossa zona de conforto.

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